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12 de agosto de 2020

Mário Álvares: a obra em um caderno, levado pelo açougueiro e trazido pela artista.

Na única foto conhecida de Mário Álvares, temos ele posando com o curioso instrumento
ao qual batizou como "Zebróide".

Se perguntarmos não serão muitos, se excluídos os estudiosos do Choro, aqueles que saberão nos contar sobre a importância musical de Mário Álvares Conceição. Mas o fato é que se conhece muito pouco sobre a vida e obra de Mário Cavaquinho, como assim ficou conhecido esse ilustre e estimado chorão em sua época, considerado por muitos o maior solista e compositor de seu instrumento e quem também inseriu na música brasileira o cavaquinho de 5 cordas.

Mário Cavaquinho nasceu no Rio de Janeiro no Sec XIX (em data cheia de controvérsias) e teve como mestre o famoso Galdino Barreto - o Galdino Cavaquinho. Além de escrever músicas belíssimas, ele também as harmonizava. Entre aqueles que o admiravam, estava Anacleto de Medeiros, influente maestro de sua época, organizador da Banda do Corpo de Bombeiros, e por quem, certa ocasião, foi levado ao quartel para passar uns dias juntos fazendo música.

Ao contrário do que já foi afirmado e como nos informa Ary Vasconcelos na obra Panorama da Música Brasileira na Belle Epoque, "Mário não foi o inventor do cavaquinho de 5 cordas, já há relatos sobre esse instrumento bem antes de seu nascimento mas, Mário foi sim o maior compositor de obras dedicadas ao cavaquinho de 5 cordas e sem dúvida foi o primeiro a usa-lo na música brasileira". 
Ele Também fez experimentos com um curioso instrumento ao qual batizou de Zebróide, que é uma espécie de bandurria (instrumento de origem espanhola semelhante ao bandolim português) com 12 cordas. E entre outros feitos, além dos citados, ele foi professor de Pixinguinha que teve o cavaquinho como seu primeiro instrumento.


 A obra de Mário Álvares em um caderno...

Mário como grande compositor que era, certamente compôs mais de uma centena de músicas. "Mas parte das composições deixadas por Mário Alvares estava em um caderno que, após sua morte, foi parar nas mãos de um açougueiro residente em um subúrbio do Rio. Em outras palavras: perderam-se... ", como também nos relata o pesquisador Ary Vasconcelos em seu livro lançado em 1977 pela Editora Liv Santanna.

Infelizmente só se tinha notícia de parte delas, que foram transcritas e preservadas por grandes nomes do choro como Jacob do Bandolim, Candinho do Trombone, Patrocínio Gomes, Donga e tantos outros.

Silvia Neves
A artista Visual Silvia Neves, herdeira do
centenário caderno de Mário Alvares.
Mas para a glória da música brasileira, em 2018, o lendário caderno datado de 1908 foi entregue aos cuidados da Casa do Choro (Centro de Pesquisa Jacob do Bandolim). Chegou através das mãos da artista visual Silvia Neves. 
Ele era um entre cinco outros cadernos herdados do seu avô, o compositor Ernani Neves, músico profissional que tocava tuba em uma banda carioca. Após passarem pelas mãos do seu pai, um música amador, chegou à Silvia, que  percebeu a importância de disponibiliza-los para pesquisa. 

Com o ressurgimento do centenário caderno dedicado a Mário Álvares, acenderam-se novas luzes sobre a vida e obra do compositor. 
O caderno  traz preciosidades em seu conteúdo: além da foto de Mário Álvares com seu "Zebróide", entre as informações trazidas logo na capa, está o nome do responsável por preencher as páginas do calhamaço com anotações, músicas e até um acróstico em homenagem ao Mário. O autor da obra é Luiz Leal, sobre quem pouco se sabe. Há quem arrisque dizer que ele seria um sobrinho de Ernesto Nazareth (a quem o compositor  dedicou o tango "Espanholita",  de 1896). Leal também frequentava os ambientes musicais da época e certamente foi amigo e fã de Mário Álvares. 
As informações contidas no caderno atualizaram alguns dados biográficos sobre o compositor. Inclusive seu próprio sobrenome "Álvares" é enfim confirmado, depois de equivocadamente ser grafado em tantas fontes como "Alves", um deslize cometido por pessoas que conviveram com ele, como o próprio Pixinguinha. 
Outra informação relevante trazida, trata-se da revisão das datas de seu nascimento e morte. No caso desta última, segundo Luiz Leal, o cavaquinista teria falecido no dia 09 de janeiro de 1909 e não no dia 10 como apontavam algumas pesquisas recentes.  Já em relação ao nascimento, a disparidade  é bem maior. De acordo com o caderno, Mário não nasceu em 1876 como se lê nas principais fontes de pesquisa, mas em 1844. Uma data que, de certa maneira, reposiciona Mário Álvares na primeira geração do Choro. Sendo mais velho até que Chiquinha Gonzaga e Joaquim Callado. 

O magnífico caderno trouxe também o apontamento de outras composições. Quase todas fazendo parte, atualmente, do arquivo Jacob do Bandolim, incorporado ao Museu da Imagem e do Som  e estando 62 delas catalogadas pelo acervo da Casa do Choro. Entre elas:
Os ChorosBoas Festas, Cabocla, Cheira-te, Despedida de 1905, Falando às Flores, Não Venhas Assim, Priapo, Roceira (ex-Segura a Mão), Sertaneja (N' Aldeia, letra de Heitor Catumbi); Sinhá, Tira Poeira.
As Valsas: Adelina (Sou Teu Escravo), Diálogo, Eulália (recebendo letra de Catulo da Paixão Cearense, também passou a ter novo título: Alva e Morena) , Filhinha, Hei de Chorar, Helena, (gravada em 1975 por Deo Rian); Hilda (ex-O Teu Beijo, letra de Guttenberg Cruz), InterrogaçãoIracema, Jandira, Julieta, Lembrança, N'Aldeia, (recebendo letra de Catulo, manteve o título original);  OlegáriaPaixão Oculta, Pensei (Pressentimento), Quando o Amor Chora, Reunião Sublime, Saudades, Saudosa, Sentimento Oculto e Vienense.
Os Xotes: Buquê, Felicidade, Poesia e Amor, Soledade e Solenidade 
A essas, devem acrescentar-se as Canções:  Entre Asas,  com letra do poeta Hermes Fontes e Feiticeira.

CD triplo “Tributo a Mário Álvares” traz a obra integral do compositor e cavaquinista, com acompanhamento de um tradicional regional de choro e participações especiais de Izaías Bueno de Almeida (bandolim), Luizinho 7 Cordas (violão 7 cordas), Leonardo Miranda (flauta), Pedro Pita (pandeiro e ritmo), Henrique Cazes (cavaquinho e violão tenor) e Miguel Miranda (pandeiro).

Muitas histórias ao lado de grandes nomes
Muitas são as histórias acerca de Mário Álvares e o nome do célebre cavaquinista sempre é citado ao lado de outros grandes nomes do cenário musical da época como Satyro Bilhar, Luiz Faria (Lulu Cavaquinho), Irineu de Almeida, João Pernambuco e Joaquim dos Santos (Quincas Laranjeiras) que, segundo Jacob do Bandolim, era o acompanhador de violão predileto de Mário. 
Uma das histórias mais marcantes é a que conta que numa certa ocasião onde estavam reunidos grandes figuras e músicos da época, Mário teria sido "desafiado" por Catulo da Paixão Cearense a fazer uma música de improviso sobre a melodia do tango brasileiro "Brejeiro" de Ernesto Nazareth, que também se encontrava na tal reunião. Catulo fez o desafio pois alegava que tal feito não seria possível porém, Mário atacou com seu cavaquinho uma música inspirada na melodia do tango "Brejeiro" e logo foi aprovado por todos inclusive, pelo próprio Nazareth. A música realmente existe, chama-se "Sertanejo" (áudio) um tango brasileiro e logo em sua primeira parte notamos uma semelhança com a melodia do tango de Ernesto Nazareth.

Este relato e outras informações importantes sobre Mário Álvares está registrada em um belíssimo tributo à obra deste memorável instrumentista e compositor no site Acervo digital Mário Alves,  projeto produzido e realizado por Gustavo Cândido e coproduzido por Ricardo Cassis. Na página se encontra o catálogo de obras completo com partituras para download.

Mário Àlvares faleceu na cidade do Rio de Janeiro, na Rua Vinte e Quatro de Maio, nº 195 (entre as estações de Sampaio e Engenho Novo), na residência do também compositor Alfredo Dutra em 9 (ou seria 10) de janeiro de 1909. Também há dúvidas sobre se foi sepultado no Cemitério do Caju ou no de Inbaúma. Mas o que se sabe é que no seu enterro estiveram muitos amigos e figuras notáveis do meio musical. À beira de seu túmulo orou o violonista e compositor Satyro Bilhar.

Belíssimas interpretações da obra de Mário Álvares já formam registradas.  Para nossa audição de hoje trazemos a composição Polca em Sol,  em um solo do cavaquinista mineiro, Lucas Ladeia. Apreciem:


Este vídeo faz parte do Projeto Cavaquinho Solista, lançado em 2019 e onde incluiu também outras 3 composições de Mário Álvares ( Despedida 1905, Não Venhas assim, Polca em Sol e Cheirava-te)
Lucas Ladeia é graduado em Música pela UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Educação Musical pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.Lucas já foi selecionado pelo programa Jovem Instrumentista BDMG e venceu o Festival Choro Novo, em 2011, além de várias outras premiações importantes, conquistadas com os grupos musicais dos quais participa.:Toca de Tatu e Assanhado Quarteto.

Ouça também: Atualizando Mário Alvares - uma produção da Rádio Batuta